O professor Demian Melo (UFF) escreveu o texto abaixo em seu facebook ontem, 19/07, refletindo sobre a perseguição que a professora Debora Diniz (UnB) vem sofrendo. Ele nos cedeu gentilmente permissão para publicarmos aqui. Nós do PCESP achamos que ele encaminha boas ideias e indicações sobre o cenário contemporâneo. Lembrando que o Demian participou dos nossos podcasts sobre a perseguição política às universidades e sobre conservadorismo. Dito isso tudo: boa leitura!
Há uns três anos muita gente na esquerda achava que levar a sério a emergência de uma onda conservadora e movimentos ativistas que lhe são constitutivos, como o “Escola Sem Partido”, era um misto de “alarmismo” e “petismo”. Como se fosse um verdadeiro “bode na sala” para “desviar os trabalhadores da luta de classes” etc. Afinal, em boa parte da esquerda é sempre mais fácil negar a realidade do que, eventualmente, desestimular sua militância.
Só que a novidade dessa onda conservadora é justamente sua capacidade de mobilização, e o movimento “Escola Sem Partido” é uma de suas principais iniciativas. Em 2015 eu escrevi que tal movimento só teria sucesso se fosse capaz de produzir uma certa histeria em setores populares. Cheguei a tal conclusão com base na importante pesquisa que o professor Fernando Penna da UFF estava realizando sobre o assunto, assim como de outras historiadoras como Fernanda Moura e Renata Aquino que trabalham com ele. Esses pesquisadores demonstraram que esse movimento obscurantista só ganhou adesão popular com a difusão do pânico social em torno a suposta “ideologia de gênero” nas escolas brasileiras. Tive a oportunidade de dialogar em mais de uma vez com esses pesquisadores. E pensando nas conclusões deles, não tive como não lembrar das considerações de Reich em A Psicologia de Massas do Fascismo (texto de 1933), que assinalou a repressão sexual na cultura alemã como indutora da busca paternalista por uma autoridade forte; esse seria um dos elementos explicativos da adesão popular ao fascismo.
Partindo disso entendo que machismo, homofobia e qualquer forma de sexismo são sempre o terreno fértil para a colheita dos movimentos fascistas, embora possam ser catalisados por outros movimentos conservadores. A questão decisiva é sempre a da relação de forças e de quem, no campo da direita toma a iniciativa e, principalmente tem a capacidade de capitalizar a crise para si. O PSDB que tomou a iniciativa de derrubar o governo recém eleito do PT hoje está em apuros. E o verme que ajudaram a despertar hoje disputa o processo eleitoral de outubro próximo, sendo quem efetivamente está capitalizando o colapso da República de 1988.
Nesse sentido, entendo que a tal onda conservadora que emergiu na recente crise traz consigo fenômenos mórbidos como as variantes de neofascismo militante em torno à candidatura de Bolsonaro (e esse talvez seja um dos principais problemas que enfrentaremos no próximo período, seja qual for o resultado das urnas!). Como insistiu recentemente a professora Esther Solano, um dos legados da emergência de uma figura como Bolsonaro na crise política brasileira é mesmo a “bolsonarização” de parcelas da sociedade, com forte pronunciamento desse fenômeno nas instituições do Estado. Longe ainda da possibilidade de ganhar nas urnas, embora parcela do empresariado já o trate como uma verdadeira opção, Bolsonaro já constitui em si uma ameaça.
Esse episódio envolvendo ameaças de morte à professora Débora Diniz da UNB (a quem me solidarizo) é um escândalo político que infelizmente confirma o fortalecimento dessa tendência fascistizante na crise brasileira. Há evidentemente uma escalada neofascista que, como no fascismo histórico, só tem condições de prosperar pela cobertura dada pelas instituições estatais. O aparelho de repressão do Estado, das polícias a parcelas significativas do aparelho de Justiça são coniventes com a escalada dessas manifestações fascistas.
Que essa ameaça seja com uma professora da UNB é sintomático. Não foi também há pouco tempo que do próprio MEC tentou-se censurar uma disciplina de um professor da mesma UNB, através de uma declaração do próprio ministro da Educação, que se valeu dos argumentos obscurantistas do tal projeto/movimento “Escola Sem Partido”? Não sendo propriamente “Mendoncinha” um fascista, sua ação no aparelho de Estado dá vida a este.
Contudo a cumplicidade do aparelho de Estado com a emergência fascista é mais abrangente. Defensores da “intervenção militar” partidários da candidatura Bolsonaro podem participar de motins nas Polícias Militares (como recentemente no Espírito Santo), fechar estradas e avenidas pedindo “intervenção militar” e mesmo, como no ano passado, invadir o Congresso Nacional para exigir que este aprovasse as “10 medidas contra a corrupção” do messiânico procurador curitibano Deltan Dallagnol.
E como se não bastasse, no meio disso tudo, ainda tem gente com cérebro de toucinho suficiente para afirmar que “Pelo menos agora essas pessoas saíram do armário”. Como bem disse um amigo recentemente, “Vamos enfia-los de volta no armário!”