Quais os problemas que devemos enfrentar no caso recente de perseguição contra professores em Goiás

Semana passada, primeira semana de maio, uma professora de história da arte de um colégio particular de Goiânia foi demitida. A demissão veio por telefone, dois dias após ela ser criticada por um deputado de extrema direita publicamente, na rede social dele, que usou uma postagem dela (em sua rede social particular) com uma blusa vermelha que faz referência a uma obra de arte de Helio Oiticica.

O colégio ficou contra ela mesmo após a repercussão, como se vê na nota que ele enviou ao G1 sobre o acontecido.

O Colégio Expressão e o Colégio Expressão Jr. têm o compromisso de oferecer uma educação de qualidade, pautada pela ética, respeito e diversidade. Por mais de 23 anos, nossa escola jamais induziu, militou ou abordou temas políticos, religiosos ou de gênero, pois acreditamos que essas escolhas devem ser respeitadas e discutidas no âmbito familiar.

fonte: G1

A nota do colégio reproduz flagrantemente o pânico da doutrinação, fazendo oposições argumentativas contrárias ao direito à educação de crianças e jovens (oposição entre “temas políticos, religiosos e de gênero” e “âmbito familiar”), e defendendo uma neutralidade desonesta, em desacordo com o acúmulo político e jurídico sobre o tema no ensino básico.

Consideramos importante aproveitar este caso, que é um desses casos que chama a atenção do público nacional em meio a dezenas de outros que ficam restritos aos seus municípios, para expor a nossa visão sobre o cenário atual da perseguição de professores(es). Vamos apontar os diversos problemas desses casos que aparecem neste caso recente.

PRIMEIRO PROBLEMA: PERSEGUIR PROFESSORES VIROU PRÁTICA EMPREENDEDORÍSTICA

Perseguir professores se tornou, já tem uns anos, um negócio politicamente lucrativo.

Empreendedores da sua própria imagem (influencers, pastores, policiais, empresários, mulheres antifeministas, coaches, comerciantes, etc) usam suas redes para expor professores “doutrinando” e ganhar engajamento que possa ser convertido em lucro financeiro e político.

A perseguição contra professores feita por agentes externos à comunidade escolar, como esse caso, são exemplos clássicos do empreendedorismo político que é característica da formação do bolsonarismo.

SEGUNDO PROBLEMA: PROFESSORAS E PROFESSORES NÃO SÃO DEFENDIDOS POR QUEM DEVERIA DEFENDÊ-LOS(AS)

A gestão da escola não apoiou a professora. Essa escola, para proteger a comunidade escolar (profissionais da educação, estudantes e famílias), deveria ter apoiado a professora assim que o deputado a atacou em suas redes.

E por que? Porque essa professora perseguida é um veículo para atacar a todos os professores(as), alunos(as) e escolas. Porque a gestão da escola tem o dever, óbvio, de proteger o direito à educação. Não existe perseguição contra uma professora só; a perseguição é sempre contra toda a categoria, todo o currículo, todos os estudantes, porque estamos falando de uma prática que ataca o fundamento do trabalho docente. Se os fundamentos do nosso trabalho são atacados… o que resta?

Infelizmente, como em muitos casos, a gestão tornou-se cúmplice e agente da perseguição.

TERCEIRO PROBLEMA: COMO RESPONSABILIZAR ESCOLAS PARTICULARES POR SE TORNAREM CÚMPLICES E AGENTES DA PERSEGUIÇÃO DE SEUS PROFISSIONAIS?

A escola em questão é particular.

Aqui entram todos os problemas que nós, defensores do direito à educação, apontamos na educação privada. É difícil manter a educação como direito quando ela é tratada como bem de consumo. Não é por acaso que o Escola sem Partido usava o Código do Consumidor para “embasar” o discurso da doutrinação que ele pregou por anos.

Neste tipo de situação, fica mais difícil jurídica, política e legalmente cobrar responsabilidade pública de um agente privado.

Dito isso, porém, devemos destacar que escolas particulares não estão livres do dever de obedecer às leis do país. Para poderem funcionar estas instituições devem se conformar ao que a nossa legislação educacional determina, dentro da liberdade de concepções pedagógicas garantida. E as nossas leis não permitem a perseguição de professores. O STF já se pronunciou categoricamente sobre isso.

Precisamos construir formas de responsabilizar escolas privadas pela proteção de seus professores e professoras também.

QUARTO PROBLEMA: COMO RESPONSABILIZAR FIGURAS EXTERNAS AO AMBIENTE ESCOLAR QUE PERSEGUEM PROFESSORES?

Até hoje nenhuma figura política foi punida por perseguir professores. Ana Campagnolo criou um disque denúncia próprio e não foi punida. O deputado inquisidor do momento divulgou em março uma plataforma só para receber denúncias contra professores(as) e ainda não está sendo questionado — ao que parece, no contexto das ações contra ele por essa demissão de agora, também exigiram finalmente a retirada da plataforma do ar. O mesmo deputado já causou a demissão de pelo menos um outro professor no ano passado quando estava candidato.

Este deputado é também notório divulgador de desinformação. Ele mentiu para induzir seu público a acreditar que uma pesquisa eleitoral que mostrava Lula na frente tinha sido feita pelo Instituto Lula. Ele desinformou para defender o voto impresso. Ele divulgou material associando o PT (Partido dos Trabalhadores) ao PCC (organização criminosa Primeiro Comando da Capital). Segundo pesquisadores do ecossistema multiplataformas bolsonarista, este deputado é um dos mais hábeis manejadores das dinâmicas das redes sociais, e ele tem usado essa habilidade para lucrar politicamente e se safar de ser responsabilizado.

Há várias outras figuras que têm como modus operandi político a difusão de desinformação que perseguem professores: Bia Kicis, Alan Lopes, Rodrigo Amorim, etc. O Poder Público, em todos os âmbitos administrativos, está sendo conivente com a perseguição de professores enquanto não responsabilizar essas figuras por isso. Já é tempo de termos políticas específicas de proteção ao exercício do ofício docente. (Inclusive, é aqui nesse contexto que o PL 2630 de regulação de plataformas é importante para nós: ele nos possibilita responsabilizar sujeitos pelas mentiras que eles contam.)

Pra ninguém ficar com dúvidas: essas figuras devem ser responsabilizadas não só pelas mentiras, mas porque elas estão violentando professores(as) que estão simplesmente fazendo o seu trabalho. É esse fato básico da perseguição a docentes — que eles(as) são perseguidos(as) simplesmente por estarem fazendo o seu trabalho — que nos faz cobrar do Poder Público a nossa defesa.

QUINTO PROBLEMA: POUCA GENTE SABE O QUE É, OU SE IMPORTA COM, A PERSEGUIÇÃO DE PROFESSORAS E PROFESSORES

Não é claro nem para as pessoas do campo defensor de direitos o que é a perseguição contra professoras e professores.

Em nossa militância aqui neste coletivo encontramos o tempo todo casos onde a gestão (escolar ou universitária), e até a categoria docente, não reconheceu um acontecimento como perseguição. Ou, quando reconhece que é perseguição, não leva em conta que este tipo de prática pode se difundir numa região ou comunidade quando ela não é fortemente coibida desde o início.

Precisamos ter explícito entre nós, defensores do direito à educação, que isso existe, que é algo grave, e que ameaça o futuro da nossa profissão. Que nós estamos falando de um processo em curso — está explícito que a perseguição não vai sumir com o novo governo, talvez o contrário.

Nenhum caso de perseguição deve ser tratado como desimportante. Toda perseguição deve ser enfrentada coletivamente pela comunidade educativa, que deve se unir em torno da educadora ou educador violentado e a partir da ação coletiva reafirmar o direito à educação.

1 comentário

  1. Há anos, desde a invenção do Escola sem partido, que nós professores trabalhamos com uma espada sobre nossas cabeças e a sociedade não se solidariza conosco, pior que isso, ela respalda essa perseguição. É preciso que nos mobilizemos. Ninguém fará isso por nós.

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