O apoio ao Escola Sem Partido nas universidades

Texto de Diogo Salles

 

O projeto de educação do “Escola Sem Partido” também mira o ensino superior. No artigo 8º do projeto de lei federal 867/2015, que “Inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o ‘Programa Escola sem Partido’”, fica estabelecido que

O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:

I – aos livros didáticos e paradidáticos;

II – às avaliações para o ingresso no ensino superior;

III – às provas de concurso para o ingresso na carreira docente;

IV – às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no art. 207 da Constituição Federal.

No discurso do ESP, as universidades também teriam sido sequestradas por agentes promotores do “marxismo cultural”, da “ideologia de gênero” [sic], tornando-se espaços onde certos grupos imporiam suas visões autoritárias e “ideologizadas” sobre o mundo. Sendo assim, seria necessário resgatar os espaços da universidade e colocá-los para funcionar de acordo com suas funções legítimas.

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No dia 17 de Junho, esse post da página oficial do Escola Sem Partido no facebook chamou nossa atenção ao mostrar que o discurso do movimento pode estar bem mais difundido nos espaços universitários do que imaginávamos. Fizemos um breve levantamento das páginas citadas na publicação e verificamos quais são os principais argumentos que sustentam essas mobilizações estudantis e porque elas se identificam com o pensamento ESPiano.

 

Como os Movimentos se Definem

Acessando a descrição das páginas, pode-se perceber que elas se identificam com ideias e  orientações políticas em comum. Todas se intitulam como movimentos apartidários que defendem a livre manifestação de pensamento e se opõem ao monopólio dos espaços da universidade por determinados grupos político-partidários. O discurso do ESP encontra eco na condenação a esses grupos, geralmente identificados como organizações de esquerda, ligadas à partidos dessa orientação política. Do ponto de vista das páginas, as instituições de representação discente das universidades estariam aparelhadas por tais interesses partidários, excluindo de certos processos decisórios grupos de estudantes que não se identificam com as mesmas formas de mobilização.

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Assim, a estigmatização de correntes políticas entendidas como de “esquerda” é a maneira que as páginas encontram para chamar a atenção de seus apoiadores contra os perigos que a hegemonia da “esquerda” nas universidades pode representar para alunos que não querem se tornar cúmplices desse sistema ilegítimo.

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Estratégias semelhantes às do ESP são utilizadas para alimentar o antagonismo “nós” contra “eles” que sustenta a proposta das páginas. O caso da UnB Sem Partido é o mais representativo dessa simbiose de discursos, como é o caso da campanha “Meu Professor Já Disse”, que incentiva a exposição de falas aparentemente comprometedoras de professores em sala de aula por alunos ressentidos de supostos abusos de autoridade.

 

Disputando os Espaços da Universidade

As questões envolvendo greves e ocupações das universidades são centrais para as páginas. Aqui, o discurso do ESP é instrumentalizado como forma de invalidar os mecanismos usuais de representação dos universitários. O movimento estudantil encabeçado pela “esquerda” estaria abusando da sua autoridade e contornando os interesses da maioria dos estudantes que não consideram a paralisação das atividades como uma estratégia legítima. O lema “Sou estudante, quero estudar” resume a ideia de que a greve não estaria garantindo, mas sim alienando os alunos dos seus direitos mais básicos dentro do espaço dos campi.

Um argumento recorrente é a unilateralidade e arbitrariedade dos DCEs (Diretório Central dos Estudantes) na tomada de decisões que afetam todo o corpo dos estudantes. Outra constante é a da reivindicação por espaços na universidade que estariam sendo monopolizados pelos interesses partidários do movimento estudantil oficial, despreocupado com as verdadeiras necessidades estudantis.

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Uma Perspectiva Liberal sobre a Universidade

As páginas estão constantemente divulgando e compartilhando publicações umas das outras. Assim como a rede de grupos e páginas que formam a base para a difusão de ideias do ESP, uma estratégia semelhante é aplicada para quaisquer movimentos iniciados a partir de redes sociais.

Pode-se perceber nessa sintonia de objetivos e propostas entre as páginas que elas também compartilham de uma perspectiva liberal sobre a educação universitária.

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A reportagem ao lado foi compartilhada por várias das páginas. Percebe-se na publicação a importância dada à lógica da produtividade, avaliação e meritocracia sendo transferida para o ambiente acadêmico.

Outras propostas que seguem uma orientação parecida dizem respeito à discussão sobre as formas de financiamento da universidade. Aqui pode-se notar que, muito mais do que movimentos reativos, as páginas também se colocam no papel político de propor mudanças para um modelo de universidade que contemplaria os interesses de grupos que, por não aceitarem a lógica partidarizada da representação estudantil oficial, estariam sendo marginalizados.

 

 

 

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Contextualizando o Discurso

Por mais tentador que seja, não podemos desconsiderar as formas de pensar desses grupos como puro e simples produto de analfabetismo político ou dos interesses escusos de uma “direita” em ascensão. Fazendo isso, incorremos nas mesmas estratégias que o Escola Sem Partido usa para cooptar a atenção e o apoio de movimentos como esses. Criticar esses movimentos a partir da lógica “bem vs mal”, é alimentar uma narrativa que não se preocupa em entender da onde surgem tais iniciativas, mas que impede o diálogo democrático de ideias.

Um bom ponto de partida para superarmos o vazio das narrativas fáceis é uma publicação do dia 4 de Junho da Unicamp Livre, onde a página dá esclarecimentos sobre quais são as propostas e bases conceituais do grupo:

Acreditamos em uma agenda liberal do ponto de vista social e econômico. Isso significa que somos contra todas as formas de machismo, racismo, homofobia. Ao mesmo tempo em que temos um especial apreço pelas liberdades individuais de trânsito na universidade, de expressão dentro do movimento político universitário.

(…)

Dentro dessas ideias algumas das questões mais frequentemente levantadas:

A Unicamp Livre é contra a inclusão econômica e racial na Universidade, incluindo cotas raciais? Não, nós acreditamos que são pautas importantes, mas somos críticos de certos elementos por exemplo preferindo o bônus as cotas.

A Unicamp Livre acredita que todo o movimento estudantil é ilegítimo? Não, nós acreditamos que existem vários cenários onde ele é representativo e legítimo. Havendo cenários em que ele o é, e que ele não o é dentro dessa própria greve.

A Unicamp Livre apoia a privatização da Universidade? Não, nós acreditamos que a privatização não é a forma ideal de se lidar com universidades. Mas acreditamos que um aumento de independência do estado, através de doações de pessoas e empresas interessados e formação de um fundo que possa ao longo do tempo dar independência maior de discricionariedades da ALESP e do governo do estado. Além da ampliação de parcerias com o setor privado

Se não a greve o que vocês propõe para obter as pautas estudantis? Existem várias ações que podem ser tomadas, incluindo protestos ou abaixo assinados que conquistaram o RS aberto a noite.A greve estudantil a nosso ver é o último recurso.

Independente das discordâncias que tais propostas possam gerar, o posicionamento da página não mostra um alinhamento irracional a uma lógica anti-democrática e autoritária. O que percebemos, na verdade, é uma preocupação em apresentar fundamentações políticas para as intenções e motivações do grupo. Essas questões surgem de algum lugar e, como em toda disputa política, elas precisam ser abordadas, não ignoradas.

 

Reproduzindo Narrativas

O caso da UnB talvez deva servir como exemplo para nós que temos um posicionamento crítico quanto ao Escola Sem Partido e propomos um projeto de educação verdadeiramente democrática.

No dia 7 de Junho estava marcada uma manifestação de estudantes contra a paralisação da universidade naquele que seria o último mês de aulas. Durante o ato, o grupo foi agredido por estudantes favoráveis à proposta da greve.

Nas filmagens do ocorrido, podemos ver estudantes com bandeiras ostentando a foice e o martelo e gritos acusatórios de “Fascistas!” agredindo manifestantes contrários à paralisação.

Em razão do mais recente caso de violência ocorrido na UnB, onde, no dia 17 de Junho, grupos de extrema-direita pedindo a volta da Ditadura Militar invadiram o Instituto de Ciências da universidade atacando alunos, talvez seja necessário reavaliarmos as formas como nos posicionamos em relação àqueles de quem discordamos. Pois, se a violência se tornar a moeda de troca comum entre ambos os lados da disputa pela educação, não nos parece que a defesa de uma escola democrática e transformadora seja coerente com esse tipo de atitude.

4 comentários

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