Antes que comecem a aparecer as inevitáveis acusações de ‘doutrinação marxista’ vinda dos teóricos da conspiração de sempre, muitos deles atualmente ocupando cargos públicos inclusive, vale fazer algumas considerações sobre o tema da redação do Enem 2018.

Nesses tempos em que não podemos esperar muito das instituições ‘democráticas’, é bom ver uma provocação dessas surgindo num contexto que envolve educação pública. Isso não significa dizer que as atuais gestões do INEP ou do MEC como um todo mereçam uma salva de palmas e congratulações. Não há nada para comemorar na lógica tecnicista e mercadológica que orienta as políticas públicas que essas instituições vêm formulando nas últimas décadas até recentemente, seja para o vestibular, seja para a educação básica – vide o ‘novo’ ensino médio e a BNCC (para mais debates sobre essas políticas, veja aqui; para nossa perspectiva dessas temáticas, veja aqui, aqui e aqui). Porém, mesmo que a provocação da redação tenha sido involuntária – mas vamos combinar que isso é improvável – é essencial nos apropriarmos desse debate.
Em muitos sentidos, o Enem é um momento de convergência social muito intensa e que envolve setores dos mais variados. Já faz tempo que o ingresso na universidade pública era uma exclusividade das camadas mais elitizadas. Pelo contrário, ela pode ser um campo de disputas políticas intensas. Vide a mobilização do Escola Sem Partido para retirar o critério de desrespeito aos direitos humanos para zerar a prova de redação no ano passado.
Os debates sobre como essas provas são aplicadas e que saberes elas mobilizam não dizem respeito só ao acesso ao ensino superior, mas como lidamos com nossas questões enquanto sociedade. O acesso a uma educação pública, gratuita, laica e democrática – um ideal que sofre cada vez mais ameaças – não é uma questão de sucesso individual, mas de que tipo de cidadania queremos para nós.
Dito isso, parece sintomático que a discussão sobre manipulação, pós-verdade e controle de privacidade, que marcou tanto a recente corrida eleitoral, tenha vindo menos da grande mídia (ALÔ Estadão e Portal R7!) ou do judiciário (ALÔ TSE!), mas sim da educação.
E para os teóricos da conspiração, acho que vocês deviam buscar algo melhor pra fazer com o seu tempo. Afinal, se a carapuça serve, o problema não é nosso.