Diogo da Costa Salles
Nessa semana, a votação do Escola Sem Partido pela Comissão Especial da Câmara dos deputados foi adiada novamente. Apesar das dificuldades de manter uma mobilização contínua sobre o tema, com sindicatos e docentes comparecendo em peso para acompanhar a votação e dar voz à luta contra a censura nas escolas, até o momento não parece que a resistência está perdendo força.
Porém, como a necessidade e a experiência mandam, é sempre importante equilibrar qualquer sinal de otimismo com a mesma medida de pessimismo da análise. Dito isso, é preciso avaliar o que se desenrolou no último dia 7, em paralelo ao adiamento da votação do Escola Sem Partido, com a aprovação do aumento para os ministros do STF junto do anúncio da extinção do Ministério do Trabalho.
Não seria de se estranhar o brutal impacto que essas notícias provocaram nos setores da sociedade civil engajados na luta pela manutenção do Estado democrático de direito. Perto disso, o progresso a conta gotas na luta contra o Escola Sem Partido não parece tão significativo. Pior ainda, desde ontem estou vendo a disseminação de uma ideia muito perigosa: uma noção de que o Escola Sem Partido seria só mais uma cortina de fumaça para os “verdadeiros ataques”, parte do esquema da recente ascensão da extrema-direita ao poder para distrair os setores progressistas legislando sobre coisas inócuas e sem efeito prático de um lado para, do outro, continuar a ofensiva contra as instituições democráticas.
Aqui é preciso ter muito cuidado
A lógica do Escola Sem Partido como cortina de fumaça tem vários problemas. O primeiro deles é que ela reduz o Escola Sem Partido a uma mera distração, como se os projetos e o discurso que o sustentam não tivessem qualquer efeito prático, o que está longe de ser o caso. Vide o aumento absurdo de casos de perseguição e ódio político contra professorxs e a participação direta do presidente recém eleito na promoção dessa violência.
Outro problema é correr o risco de tratar a disputa política como um jogo de soma zero, onde lutar por algumas pautas exclui o engajamento com outras. É evidente que não é assim que essas lutas acontecem de fato e é positivo que a mobilização em torno de pautas progressistas se dê em várias frentes e estratégias. Porém, o campo progressista tem mania de insistir numa visão monopolista e messiânica que dita que certas lutas só podem ocorrer de cada vez e de acordo com as orientações de uma liderança específica.
Nos últimos tempos, tem se falado muito sobre firehosing, a tática de disseminar informações imprecisas ou absurdas na mídia e redes sociais, com a tripla finalidade de gerar confusão, desacreditar os meios de comunicação e tirar o foco das oposições, que se concentram em expor as informações falsas enquanto as reformas políticas são implantadas nos bastidores.
Meu receio é que essa precaução acabe sendo um tiro pela culatra. Estamos tão preocupados em não cair na teia de aranha da manipulação da extrema-direita que acabamos tecendo uma uma para nós mesmos. Corremos o risco de continuar caindo na ilusão de que a única forma de resistência possível são frentes únicas com pautas únicas, focadas nas ‘verdadeiras lutas’. Mas nem sempre o absurdo é só uma cortina de fumaça. Às vezes, e agora cada vez mais, ele é extremamente real e pode ter efeitos práticos terríveis. Nossas análises precisam se orientar por critérios diferentes.
Por fim, vale alertar que a lógica de reduzir tudo a cortinas de fumaça também gera desmobilização, pois nos sentimos constantemente perdidos a respeito de onde concentrar nossos esforços. A luta contra o Escola Sem Partido é essencial, mas se continuarmos subestimando-a porque as disputas em outras frentes estão difíceis vamos permanecer sufocando nessas cortinas de fumaça que nós mesmos criamos.