Após a prisão dos milicianos suspeitos do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, começou a ser noticiado que os ex-policiais militares envolvidos no caso também vigiavam outros possíveis alvos. Uma dessas pessoas era Pedro Mara, professor de sociologia da rede pública estadual do Rio de Janeiro e diretor democraticamente eleito do Ciep 210, em Belford Roxo. Em decorrência disso, Mara foi forçado a “deixar o Rio de Janeiro para manter [sua] integridade física.”
No entanto, apesar desses desenvolvimentos recentes, essa não é a primeira vez que Mara é vítima de perseguição política. Na verdade, essa história e os atos que a antecedem lançam uma luz sobre as profundas relações entre três agentes importantes da extrema-direita brasileira hoje: Escola Sem Partido, milícias e a família Bolsonaro.
Em 2017, Bolsonaro denunciou Mara por apologia ao uso de drogas. O motivo? Mara tem uma ilustração de uma folha de cannabis tatuada no braço. Apesar da justificativa esdrúxula e sem fundamento, a atitude de Bolsonaro pode ser facilmente interpretada como uma tentativa de assassinato de reputação, prática que podemos ver hoje sendo amplamente empregada pelos setores da extrema-direita alinhados com o bolsonarismo. E há um motivo pelo qual Mara se tornou alvo dos assédios de Bolsonaro, mas isso não tem nada a ver com tatuagens.
Mara é conhecido pela sua militância em favor da descriminalização da maconha, mas o que realmente parece estar por trás dos ataques promovidos por Flávio Bolsonaro é a sua atuação como diretor do Ciep 210, em Belford Roxo. Enquanto diretor eleito pela comunidade escolar, Mara sempre fez questão de denunciar os problemas que afetavam o Ciep 210 e muitas dessas críticas se dirigiam à própria secretaria de educação e ao governo do estado do Rio. Ou seja, no nível institucional, Mara era um incômodo.
Diante disso, é importante destacar que, das duas denúncias feitas por Flávio Bolsonaro contra Mara, uma junto ao Ministério Público e outra junto à secretaria de educação, só essa última foi levada adiante, com a abertura de uma sindicância.
Vale um adendo aqui: o direito das comunidades escolares do Rio de Janeiro elegerem seus próprios diretores foi uma conquista do movimento de ocupações estudantis de escolas. Até então, os cargos de direção eram compostos por indicações da própria secretaria de educação.
Muitas vezes, diretores eleitos por fora da alçada da secretaria são vistos como disruptivos e problemáticos, pois seu alinhamento se dá mais em favor das suas próprias comunidades escolares do que os do governo do estado. Esses cenários causavam e ainda causam uma série de tensões. Por exemplo, o fato de Mara denunciar casos de estudantes atingidos por bala perdida dentro de escolas não era bem visto pela secretaria. Essas denúncias prejudicavam a imagem do governo do estado do Rio, que em grande parte das vezes é o principal agente da violência que afeta as vidas de crianças e jovens em idade escolar. Assim, a abertura de uma sindicância contra Mara servia como uma boa oportunidade para silenciá-lo. No fim, a história das perseguições sofridas por Mara é a história das várias tentativas de silenciá-lo. Porém, ela também mostra para quem é professorx que esse silenciamento não se dá somente através de ataques à nossa reputação e competência profissional, mas também às nossas vidas.
É assim que entra em cena, novamente, Flávio Bolsonaro.
A relação de Flávio Bolsonaro com milícias não é novidade. A perseguição sofrida por Mara só deixa tudo ainda mais explícito: uma pessoa que se torna alvo de ataques da família Bolsonaro também pode vir a se tornar alvo de ações das milícias. Ao mesmo tempo, é importante destacar que essa ofensiva coordenada contra Mara se dá na sua condição específica de profissional da educação. Ações assim não ocorrem isoladamente, nem surgem do nada. Elas fazem parte de um processo de naturalização da violência e do ódio aos professorxs; que pode ser mais facilmente compreendido quando se percebe uma outra associação importante: a de Flávio Bolsonaro com o Escola Sem Partido.
Desde que o Escola Sem Partido se consolidou como pauta da extrema-direita, o discurso de ódio contra professorxs tornou-se o principal combustível do movimento. O ódio aos professorxs não é um discurso vazio sem consequências práticas, não é uma cortina de fumaça, ele tem consequências práticas que afetam radicalmente as vidas de professorxs e estudantes. Mais ainda, desde o começo desse ano tal discurso também se converteu em política de Estado, tendo no Escola Sem Partido sua principal representação ideológica. É a consolidação da lógica do silenciamento e apologia da violência contra o dissenso e da transformação dxs professorxs nesse grande inimigo que precisa ser calado.
Por outro lado, a relação de Flávio Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro talvez só não seja mais próxima do que a sua relação com o Escola Sem Partido. Flávio é quem assina o primeiro projeto de lei Escola Sem Partido, em 2014, que posteriormente serviu de base para o criação do “Programa Escola Sem Partido”, anteprojeto desenvolvido pelo fundador do movimento, Miguel Nagib, e que desde então vem funcionando como molde para as várias propostas legislativas que visam instaurar a censura nas salas de aula e a perseguição política contra professorxs de todo Brasil.
Enquanto padrinho político do Escola Sem Partido, Flávio Bolsonaro desempenhou um papel central na difusão do discurso de ódio contra professorxs. Porém, esse discurso não se encerra em si mesmo. Ele é a consolidação de um processo em que o Estado passa a ser aparelhado por interesses particulares, onde esses interesses tem pleno acesso às armas e aos dedos para apertar os gatilhos e fazer valer o seu direito exclusivo ao uso da força. Pois a milícia não é muito mais do que a extensão desse Estado completamente desprovido de democracia e de direitos.
No entanto, não basta somente coerção, mas também consenso. É preciso desensibilizar a sociedade para casos como esse, pois assim eles podem se tornar cada vez mais recorrentes. Nesse momento, esses são os principais sintomas que agentes como o Escola Sem Partido causam. Afinal, quanta simpatia mais um desses doutrinadores comunistas maconheiros do MEC realmente merecem, não é mesmo? O discurso que naturaliza absurdos como esses é o discurso do Escola Sem Partido.
E assim, o ciclo se completa. Enquanto o Escola Sem Partido priva xs professorxs da sua humanidade, as milícias terminam o trabalho.